Eu estou sempre estudando sobre saúde, desenvolvimento pessoal e estilo de vida. E tenho ficado cada vez mais incomodado com o que tenho visto nas redes sociais e na internet sobre essa questão: o que fazer primeiro para realmente conseguir melhorar a vida? Existem tantas fórmulas por aí… Você escuta que é preciso mudar primeiro as atitudes, ou então a mentalidade, as crenças — o famoso “mindset”, como dizem alguns.
Contudo, siga meu raciocínio. No Talmud, um dos livros sagrados do judaísmo, está escrito: “Preste atenção nos teus pensamentos, pois eles se tornarão suas palavras. Preste atenção em tuas palavras, pois elas se transformarão em seus atos. Preste atenção nos teus atos, porque eles se tornarão seus hábitos. Preste atenção nos seus hábitos, porque eles se tornarão seu caráter. E preste atenção no seu caráter, pois ele vai formar o seu destino”. Também vale lembrar uma frase atribuída a Einstein: “Loucura é fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes.”
De acordo com essas pérolas de conhecimento, o que transforma a vida são os hábitos. São eles que mais se repetem no dia a dia e, por isso, determinam os nossos resultados. Para que esses hábitos mudem, é preciso tomar atitudes diferentes, que nascem dos pensamentos. Esses pensamentos vêm da junção do conhecimento que a pessoa adquire ao longo da vida com o que ela entende e interpreta a partir disso — ou seja, a consciência. Tudo parece, então, apontar para o fato de que a primeira coisa a ser feita para melhorar a vida seria mudar os conhecimentos e os pensamentos, mudar a mentalidade.
Mas e quando alguém não consegue fazer isso porque não tem energia, disposição, foco ou clareza para buscar esse conhecimento? Quando não consegue estudar, aprender, memorizar o que precisa e, a partir disso, transformar seus pensamentos, iniciar novas atividades e sustentar o que precisa ser feito? O que fazer nessa situação?
Uma paciente me procurou certa vez — algo bem comum no consultório — com bom poder aquisitivo, acesso à informação, e ouviu atentamente tudo o que eu disse sobre hábitos saudáveis, suplementação, hormônios, neurotransmissores, enzimas, macro e micronutrientes. Mas, ao final, me disse: “Dr. Ícaro, eu não consigo colocar isso em prática. Não consigo me organizar para aplicar. Esqueço as coisas. Não tenho força de vontade. Quando chego à noite, só quero me jogar no sofá ou na cama. Eu não me motivo nem para começar, muito menos para continuar.”
Esse é um caso recorrente. Muitos até fazem uma coisa ou outra porque reconhecem a necessidade, mas não conseguem iniciar tudo o que é preciso — ou até começam, mas não mantêm. Quase toda semana atendo pacientes assim. E aí, o que fazer? Medicá-los? Encaminhar para o psicólogo? Dizer que é algo espiritual? Tratar como frescura, como se bastasse “dar um jeito”, arregaçar as mangas e seguir?
Não é esse o caminho.
Como expliquei antes, as atitudes diferentes vêm dos pensamentos. E onde estão os pensamentos? Na mente — esse conjunto dinâmico que muda a todo momento. Mas onde está a mente? No cérebro? No espírito? É uma discussão que ainda não tem consenso. O fato é que, onde quer que ela esteja, só pode se manifestar no mundo por meio do corpo. E quem comanda esse corpo, em última instância, é o cérebro.
O cérebro, esse órgão de 1,3 kg, é o que faz a ponte entre mente e realidade. Ele recebe os estímulos captados pelo corpo, envia para a mente processar e, de volta, transforma as decisões em comandos. Por isso, especialmente quando alguém não consegue mudar ou sustentar o que é necessário, o foco inicial precisa estar no cérebro. Como ele está? Em que condições funciona?
O que vejo com frequência são pessoas buscando métodos, gurus, cursos e estratégias avançadas, sem antes resolverem o básico: o estado do próprio cérebro. É como tentar avançar com um sistema que sequer tem boa estrutura e insumos, sem energia e sem alicerces.
O cérebro se comporta como uma janela entre a mente e o mundo. Imagine uma janela, como a que tenho no consultório, se pergunto se o dia está bonito ou feio, talvez você hesite em responder. Por quê? Porque a janela está suja — ela vive engordurada, já que a sala fica acima das turbinas de exaustão da praça de alimentação do shopping. Se a janela está suja, quem está dentro enxerga o mundo de forma distorcida, e quem está fora também percebe tudo borrado.
Assim funciona o cérebro. Ele processa o que o corpo capta, transforma em pensamentos e envia à mente. A mente reflete com base na consciência e responde com comandos que o cérebro traduz em ações. Se o cérebro estiver ‘sujo’, com mau funcionamento, as percepções e ações serão distorcidas por basearem-se em dados/informações deturpados. Entendeu?
Lembro do caso de uma médica que atendi. Ela disse que se sentia triste com a própria vida, mesmo tendo tudo: estabilidade financeira, filhos lindos, um marido presente. Mas estava insatisfeita, pensando em se separar, em abandonar tudo. Durante a consulta, analisando os hábitos e queixas, percebi que o cérebro dela não tinha as mínimas condições para um bom funcionamento. Disse a ela que melhoraríamos primeiro três coisas muito importantes, e só depois cuidaríamos do resto. Com base nisso, ela voltaria com exames e, então, entenderíamos o que ainda fazia sentido mudar.
Ela aceitou. Um mês depois, voltou diferente. Havia levado a sério a mudança de hábitos — especialmente os três mais importantes — e me disse: “Estou mais feliz. Percebo melhor minha realidade. Vejo que reclamava demais por pouca coisa. Tenho mais clareza para mudar o que precisa. E não quero mais me separar. Amo minha família, meus filhos. Estou bem.”
Sem medicações. Sem suplementos. Apenas o básico.
O que mudou foi que ela deu ao cérebro o mínimo necessário para funcionar. A partir daí, conseguiu avançar. Por isso, esqueça essa ideia de começar pelo “mindset”. Comece pelo “bodyset” — preparar o corpo, especialmente o cérebro, para que ele sustente qualquer transformação. Afinal, tudo que faz bem para o cérebro faz bem para o corpo. E a saúde do corpo é o que sustenta a saúde do cérebro.
Então você já entendeu: o seu primeiro foco precisa ser dar as condições mínimas para que o cérebro funcione bem. Ele é a chave para sua existência, para tudo o que você pensa, sente, decide e realiza. Não adianta ter toda a teoria na cabeça se o cérebro não consegue acessar, processar ou aplicar o que você aprendeu.
Você chegou até aqui. Já percorreu um caminho importante de conhecimento, reflexão e prática sobre hábitos de vida. Mas é agora que tudo precisa se transformar em ação consistente. E, antes de buscar qualquer método avançado, ferramenta moderna ou estratégia milagrosa, é preciso garantir o básico funcionando — de verdade.
A base da saúde, do equilíbrio, da clareza mental, do foco e da motivação começa por três atitudes simples: hidratar-se adequadamente, respirar conscientemente e alimentar-se com qualidade.
Primeiro, a água. Beba um copo de água por hora, mesmo sem sede. Não espere o corpo reclamar para se cuidar. O cérebro é 72% água, o sangue 92%, as articulações mais de 80%, e cada célula do seu organismo depende dessa substância vital para funcionar. Sem água suficiente, nada flui: a digestão falha, os nutrientes não circulam bem, as toxinas não são eliminadas, o corpo não se repara. Até os seus pensamentos ficam comprometidos, porque as sinapses — as conexões entre neurônios — só atuam direito num ambiente bem hidratado.
Depois, a respiração. Faça três respirações profundas por hora. Isso mesmo: apenas três. Inspire o mais fundo que puder, segure o ar por alguns segundos, expire até o fim e repita. Pode parecer pouco, mas esse simples exercício reoxigena o cérebro, reduz a tensão, ativa o sistema nervoso parassimpático e devolve foco, presença e clareza. Em um dia comum, sob estresse, o cérebro pode consumir até metade de todo o oxigênio que você inspira. Agora imagine o impacto de viver anos com respiração curta, superficial, desatenta. Mude isso.
Por fim, a alimentação. Você já sabe tudo o que precisa saber sobre isso. Mas aqui vai o lembrete: o corpo é uma máquina extraordinária, e ela só entrega o melhor quando recebe combustível de verdade. Mais água, proteínas, boas gorduras, fibras, alimentos naturais. Menos glúten, leite e derivados, carboidratos em excesso, ultraprocessados, químicos desnecessários. Seu cérebro responde rapidamente ao que você come. Basta alguns dias com nutrição adequada para notar a diferença na mente, nas emoções, no comportamento.
Essas três ações — água, respiração e alimentação — não são opcionais. São o básico para você existir. São o chão firme onde todo o resto se sustenta. Você pode ter acesso aos melhores livros, cursos, terapias, profissionais e métodos, mas se negligenciar o mínimo, vai acabar gastando tempo, energia e dinheiro com pouco — ou nenhum — resultado real.
E claro, esses três são só o começo. Não se esqueça dos demais hábitos, que sustentam sua vida para além da existência: aqueles que te ajudam a sobreviver com vitalidade, como o exercício regular, o sono restaurador, o contato com o sol, a saúde emocional, espiritual e social
Depois vêm os que otimizam seu funcionamento: gerenciar o estresse, reduzir intoxicações, usar corretamente suplementos quando necessário. E então, os que te impulsionam nas conquistas da vida, como o apoio de bons profissionais, planejamento, ação, disciplina e fé no processo. E por fim, os que elevam a vida a um outro nível — hábitos que te conectam com propósito, presença e plenitude, como o ikigai, a meditação e os alongamentos diários
Por isso, a sequência apresentada ao longo deste livro não foi por acaso. Existe uma lógica clara e prática: primeiro, garantir que o corpo possa existir. Depois, que ele funcione com saúde. Em seguida, que se otimize. Que cresça. E por fim, que floresça.
Você já tem o mapa. O que falta agora é caminhar.
Agora é com você.
