Por Dr. Marcus Zulian Teixeira – http://www.homeozulian.med.br
Reações Adversas a Medicamentos (RAMs) contribuem para o incremento substancial da morbidade e da mortalidade dos pacientes, além de causarem aumento nos custos dos cuidados à saúde.
Muitas RAMs são evitáveis com prescrição e acompanhamento adequados, porque ocorrem, muitas vezes, como uma extensão do mecanismo de ação da droga (efeitos adversos/colaterais) ou como interações medicamentosas conhecidas.
Os pacientes com maior risco de RAMs incluem aqueles nos extremos de idade (crianças e idosos), aqueles com múltiplas comorbidades (doenças), aqueles que tomam vários medicamentos (polifarmácia) e aqueles internados em unidades de terapia intensiva ou experimentando transições de cuidados.
Infelizmente, os ensaios clínicos que avaliam a eficácia e a segurança dos medicamentos, em geral, são elaborados com indivíduos adultos sem muitas comorbidades, sendo pouco conhecida a farmacocinética e a farmacodinâmica (metabolismo, excreção, eventos adversos, interações etc.) destes fármacos quando empregados em crianças e idosos, faixas etárias mais suscetíveis e fragilizadas.
Como o risco de RAMs torna-se maior à medida que o número de medicamentos aumenta, é imperativo que os prescritores estejam vigilantes a respeito da “cascata de prescrições” (polifarmácia) e tomem medidas para suspender os medicamentos que apresentem o potencial de serem mais prejudiciais do que benéficos, evitando causar iatrogenias em seus pacientes.
Em vista disso, inúmeros artigos (vide abaixo alguns exemplos) alertam para a importância do conhecimento das RAMs, tanto pelos pacientes quanto pelos profissionais de saúde, ao contrário do desprezo observado na comunidade médica por estes eventos.
Priorizando-se um único efeito terapêutico desejado, desprezam-se os outros inúmeros efeitos adversos/colaterais dos fármacos modernos, que podem alterar a homeostase interna e causar outras doenças e/ou comorbidades quando utilizados de forma crônica.
Como exemplos comuns, teríamos que o uso crônico de hipoglicemiantes orais (diabetes tipo 2) pode causar hipoglicemia (fraqueza, desmaios e quedas), doenças cardiovasculares (hipertensão arterial, por exemplo) e doenças renais (insuficiência renal, por exemplo). Antiinflamatórios não esteroidais (aspirina, diclofenaco, ibuprofeno, naproxeno etc.) podem causar úlceras gastroduodenais, insuficiência renal e hepática, além do aumento do risco de acidentes cardiovasculares (infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral). Antihistamínicos, componente comum de “pílulas para dormir” e “antialérgicos”, além de insônia rebote, podem provocar sonolência diurna, confusão mental e espessamento das secreções, causando problemas respiratórios crônicos. Antiácidos e inibidores da bomba de prótons (omeprazol, pantoprazol etc.), utilizados indiscriminadamente para tratar a azia crônica e o mal-estar gástrico, podem causar diarreia/constipação, má-absorção, fraturas ósseas, deficiência de magnésio (convulsões), entre outros problemas.
Como ressalta o Prof. Dr. Anthony Wong, Diretor Médico do Centro de Assistência Toxicológica do HCFMUSP, em excelente artigo publicado na revista Ser Médico do CREMESP (Quando os remédios são venenos), “a excessiva prescrição de medicamentos por parte dos médicos precisa ser revista”, para que consigamos diminuir as RAMs.
Além dessa “prescrição médica exagerada”, que deveria ser revista regularmente para adequá-la às necessidades do paciente e ao momento de vida, a automedicação, decorrente do consumo abusivo de medicamentos livres de prescrição (OTC), agrava ainda mais a situação, podendo causar intoxicações, dependência (tolerância) e eventos adversos graves (insuficiência hepática, efeito rebote etc.).
Infelizmente, ao serem inquiridos sobre os possíveis efeitos adversos/colaterais dos medicamentos descritos nas bulas, é comum escutarmos colegas médicos dizerem a seus pacientes: “não leia a bula, pois se você ler não irá tomar nenhum medicamento”.
Como “não ler a bula”, se é ela que fornece uma noção (embora parcial) dos efeitos adversos/colaterais que os pacientes podem apresentar com o uso dos diversos medicamentos? Como não esclarecê-los sobre esses possíveis efeitos iatrogênicos consequentes ao emprego inadequado e abusivo dos fármacos modernos? Com raras exceções, em que pacientes impressionáveis podem ser influenciados pela leitura, o conhecimento dessas reações adversas é que permite um mínimo de segurança ao longo da terapêutica, principalmente no tratamento de doenças crônicas e com o emprego indiscriminado de medicamentos observado atualmente.
Atuando em consonância com a máxima hipocrática primum non nocere (“primeiro, não prejudicar”), também conhecida como “princípio da não maleficência” pela bioética, os médicos têm a obrigação de evitar riscos, danos e custos aos pacientes, diminuindo o uso exagerado de medicamentos e a indicação desnecessária de exames, procedimentos e cirurgias.
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