Empregado parado, produtividade estagnada

Alimentação saudável e atividades físicas são essenciais para um bom desempenho. Mas, poucas empresas incentivam os funcionários nesse sentido. Além disso, 56% dos brasileiros passam a maior parte do horário de trabalho sentados

postado no CorreioWeb em 17/01/2016 12:58 / atualizado em 17/01/2016 13:05

Ana Rayssa

Mais da metade dos brasileiros trabalham a maior parte do dia sentados. O resultado é uma das conclusões de levantamento da Alelo, empresa brasileira de cartões-benefício, feito a partir da plataforma on-line do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope). Em Brasília, o percentual pula para cerca de dois terços dos trabalhadores (66%), de acordo com a segunda edição da pesquisa Hábitos alimentares do trabalhador brasileiro. O estudo também revela que 58% dos entrevistados em todo o Brasil afirmam não receber incentivos para ter uma alimentação saudável da empresa em que trabalham. Para atividades físicas, a falta de incentivo é maior: 65%.
Foram entrevistadas 3.059 pessoas residentes em 12 capitais e outras 54 cidades. A média de idade dos entrevistados é de 38 anos. “A performance melhora se o trabalhador come bem e faz exercícios, pois as pessoas se sentem mais animadas para trabalhar. É uma questão biológica e de qualidade de vida”, defende André Turquetto, diretor de Marketing e Produtos da Alelo. Em períodos de crise, como o enfrentado pelo Brasil, Turquetto salienta que as pessoas ficam mais preocupadas, e o índice de depressão é maior, o que afeta a forma como elas se alimentam, se movimentam e descansam. A consequência do estresse do momento e do descuido com o corpo é a queda da produtividade.

O corpo reclama
Devido a longos períodos sentada, a técnica em secretariado Miucha Dantas, 29 anos, apresenta diversas dores no corpo, principalmente na região da lombar. “Chego a tomar cinco remédios para dor por dia, três para controlar a que sinto e dois para prevenir que outras apareçam”, afirma. Ela trabalha como terceirizada num órgão público que não oferece incentivos à alimentação saudável e à prática de atividades físicas. Miucha considera os próprios hábitos ruins. “A falta de exercícios atrapalha muito, até o médico receitou que eu fizesse, mas não estou conseguindo no momento por falta de dinheiro.” No trabalho, as demandas exigem bastante concentração, o que leva Miucha a não levantar da cadeira, ocasionalmente, nem uma vez por dia, nas seis horas de expediente.

 

“O ser humano não foi feito para ficar sentado muito tempo: quem passa períodos longos nessa posição aumenta o número de doenças e trabalha pior”, afirma o médico Ícaro Alves Alcântara, especializado em estratégia ortomolecular, ramo focado na qualidade de vida. Segundo ele, o tempo excessivo em uma cadeira afeta a circulação sanguínea. As consequências são dormência, dores, problemas de memória, cansaço, desânimo, depressão, ansiedade e dificuldade de lidar com situação estressantes.

Gustavo Moreno

Apesar da quantidade de malefícios que ficar muito tempo sentado causa, trabalhadores acham difícil sair da inércia e passarem a movimentar mais o corpo. Para amenizar os efeitos, o médico Ícaro Alcântara recomenda atitudes simples que podem ajudar. “Dar uma caminhada, mas não só até a máquina de café; pedir à empresa que utilize cadeiras e mesas ergonômicas; não pular refeições nem exagerar ou deixar a desejar na quantidade de alimento são passos essenciais.” O médico ainda ressalta que, mesmo quem faz exercício regularmente e se alimenta bem, sente os efeitos de ficar sentado demais. “No entanto, as pessoas com bons hábitos de vida resistem melhor a lesões, se recuperam mais rápido.”

 

Contexto brasiliense
“Brasília apresenta um índice de sedentarismo acima da média, mas é um dos lugares onde as empresas mais incentivam práticas de movimentação e alimentação saudável”, observa André Turquetto, da Alelo. Cerca de 50% dos brasilienses afirmaram receber algum tipo de incentivo à atividade física. Campanhas, distribuição de cestas com produtos adequados, café da manhã coletivo, espaço para atividades físicas na firma, descontos em academias ou restaurantes de comida saudável são algumas das formas de encorajar hábitos adequados entre empregados.
Dois meses depois de a atendente Gisele Gomes, 28 anos, ter começado a trabalhar no restaurante Asa Gaúcha, na Asa Norte, a firma passou a oferecer ginástica laboral aos colaboradores. “A gente chega com dores e, depois que faz o exercício, melhora o desempenho em 100%!”, percebe ela, que está no cargo há seis meses. “A ginástica é uma forma de prevenção. Vimos que era a modalidade mais apropriada”, conta Alana Honneff Werlang, gestora de recursos humanos do restaurante. A iniciativa beneficia os 35 empregados da casa, que trabalham muito tempo em pé.
As aulas duram cerca de 15 minutos e são oferecidas às segundas, quartas e sextas. “Depois que eles começaram a participar da atividade, notamos melhora na disposição. O vínculo com a empresa também foi afetado, e os atestados e a rotatividade diminuíram”, comemora. Além dos exercícios, os colaboradores têm acesso a opções de comida saudável no trabalho, cesta básica mensal e uma folga extra por mês.

 

Palavra de especialista

Questão de saúde e esempenho

“A produtividade de um trabalhador e o estilo de vida dele estão diretamente ligados. Quem se exercita libera hormônios que fazem a pessoa se sentir bem e, consequentemente, ela estará mais disposta. Para um sedentário, qualquer movimento pode causar dor:  é difícil até abrir uma gaveta ou pegar uma caixa. O mesmo ocorre com a alimentação: quem come melhor trabalha com mais qualidade e traz mais retorno à empresa.


No entanto, poucas organizações incentivam que os funcionários cuidem melhor da saúde — quando essa preocupação existe, costuma ser em instituições de grande porte. A realidade é que isso ainda não é pauta de muitas empresas, não existe incentivo substancial para que o colaborador se preocupe com a própria saúde.


Se houvesse um encorajamento maior nesse sentido, o negócio poderia crescer mais, pois os empregados estariam saudáveis e felizes. No entanto, qualquer colaborador pode fazer essa sugestão à corporação — nem sempre ele será reconhecido, pois existe a visão de que os maiores beneficiários serão ele e os colegas dele, mas pode ser que agradeçam. No fim das contas, a verdade é que a iniciativa de buscar hábitos saudáveis deve partir da pessoa e não da empresa — a organização só pode dar um empurrãozinho.”


Acsa Vasconcellos, sicóloga e sócia da onsultoria de recursos humanos Insight

 

Problema mundial
Pesquisadores da Universidade de Leicester, na Inglaterra, publicaram, em 2012, um estudo sobre as consequências de passar longas horas sentado. Eles fizeram uma análise de dados de 18 levantamentos sobre o assunto, que envolveram 794 mil pessoas. A conclusão foi de que os seres humanos passam cerca de 50% a 70% do tempo da vida sentados. Também foi revelado que quem passa mais da metade da vida sentado tem 112% mais chances de ter diabetes, aumenta para 147% a probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares, e o risco de morrer prematuramente é 49% maior.
Outro estudo, divulgado em outubro de 2015, releva que as horas nessa posição podem causar problemas no fígado. O histórico de saúde de 140 mil sul-coreanos foi analisado durante dois anos e mostrou que 40 mil deles, que passavam longos períodos sentados, desenvolveram gordura no fígado. A patologia ainda pode evoluir para outras doenças, como cirrose e câncer. A publicação foi divulgada no Journal of Hepatology, que divulga pesquisas e descobertas sobre hepatologia.

 

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