Entrevista para a última Revista de Prática Ortomolecular da AMBO
(Associação Médica Brasileira de Prática Ortomolecular)
do Dr. Dirceu Pereira
Especialista em Ginecologia e Obstetrícia (CRM : 13834)
* Divulgada sob autorização expressa do mesmo, via AMBO
1) Pergunta: Em que contribuiu a ortomolecular na sua prática médica?
Resposta: Tenho formação acadêmica, minha graduação em medicina foi na UNIFESP/EPM em 1968. Realizei pós-graduação na FMUSP, tendo conquistado os títulos de Mestre (1983) e Doutor (1985) em ginecologia e obstetrícia. Em 1976 estive na Universidade Johns Hopkins (USA) cumprindo treinamento em microcirurgia tubária. No final da década iniciei minha formação em reprodução assistida efetuando treinamento em Buenos Aires, Bogotá, Paris, Valência, Barcelona e Kiel. Na década de 90, motivado pelo desejo de expandir o meu conhecimento enveredei para outras áreas, tendo incursionado pela homeopatia, antroposofia e acupuntura. Faltava ainda, fazer um mergulho na medicina ortomolecular para tornar-me um médico com formação holística ou integrativa. Passei a frequentar congressos, cursos, simpósios, palestras ministradas por renomados profissionais com extensa experiência e dedicação nessa área de atuação médica. Fiquei fascinado com a possibilidade de tratar doenças crônicas tendo com base a bioquímica e o metabolismo celular. Gradativamente fui expandindo o meu conhecimento e realizando uma alquimia entre a medicina convencional e as outras áreas de atuação, tendo sempre como objetivo maior atender a individualidade de cada caso. Para mim, ficou claro que a medicina focada na pessoa tem maior possibilidade de prevenir e tratar as doenças crônicas. Atualmente, utilizo os fundamentos da medicina ortomolecular visando atendimento personalizado com o intuito de equilibrar o indivíduo e garantir-lhe o status de bem-estar físico e emocional.
2) Pergunta: Em que casos indicamos a reposição hormonal?
Resposta: Indico a reposição hormonal quando a cliente apresenta sintomatologia de somatopausa, adrenopausa, tireopausa, melatopausa ou menopausa, associadas ou em conjunto. Acho que a administração de hormônios em dose suprafisiológica com objetivo de aumentar o desempenho é reprovável em decorrência de contrariar o conceito de reposição e determinar efeitos adversos. Sempre procuro utilizar os hormônios base (bioidênticos), por entender que são mais coerentes com o acoplamento aos receptores específicos e permitir via metabólica mais adequada. Particularmente, na pré-menopausa inicio a terapia hormonal com progesterona na 2a fase do ciclo, visto que a mulher vive a fase de hiperestrogenismo relativo. Na fase pós-menopausa utilizo a associação estrogênio/progesterônica e eventualmente testosterona, se necessária. No caso de mulheres que preferem fitomedicamentos, principalmente por fobia de câncer, prescrevo isoflavonas da soja associadas à Vitex agnus-castus. A utilização de DHEA, pregnenolona, melatonina e GH deve ser discutida com a cliente informando-a de risco/benefício.
3) Pergunta: Os casos de TPM podem se beneficiar com o tratamento de nutrientes?
Resposta: Certamente, as mulheres que apresentam desequilíbrio nutricional que as conduz para o estado inflamatório irão se beneficiar de alguns nutrientes essenciais para restaurar esta disfunção. Dietas restritivas, erros alimentares, desvios comportamentais, exposição a poluentes ambientais e agentes estressores constituem os pilares para predispô-las a um período pré-menstrual tormentoso. Assim, o uso de complexo B, fontes de PUFA, magnésio, Vitex agnus-castus, adaptógenos etc, conseguem minimizar os sintomas e trazer a mulher e familiares para uma zona de conforto.
4) Pergunta: Que contribuição a ortomolecular pode dar para endometriose?
Resposta: A endometriose é uma doença inflamatória pleomórfica de etiologia ainda enigmática. Deve ser tratada holisticamente obedecendo a uma linha de intervenção que vise corrigir as possíveis causas etiológicas.
> 1) Bloqueio da menstruação.
> 2) Corrigir rota metabólica conduzindo ao estado não inflamatório.
> 3) Diminuir hiperestrogenismo.
> 4) Eliminar poluentes ambientais.
> 5) Reeducação alimentar para alcançar o IMC adequado.
> 6) Estimular a atividade física e práticas bioenergéticas.
A associação evidente da endometriose com o hiperestrogenismo sistêmico ou local, nos impele de criar uma intervenção que inclua a utilização de SERMs , progesterona micronizada, detoxificação hepática (fase I e II), redução da atividade do NFkappaB e da aromatase com o uso de resveratrol, picnogenol , PUFA etc.
5) Pergunta: Qual sua analise sobre infertilidade e suplementos?
Resposta: Os suplementos nutricionais podem minimizar o estresse oxidativo propiciando melhor desempenho dos espermatozoides, conferindo melhor condição da membrana pelúcida do óvulo e otimizando a fertilização e implantação embrionária. A utilização de nutrientes tem efeito qualitativo em casos de infertilidade sem causa aparente, bem como em procedimentos de reprodução assistida. Várias pesquisas enfatizam a fragilidade dos espermatozoides em decorrência de serem muito susceptíveis à ação dos radicais livres, particularmente a peroxidação lipídica, e também por apresentar sistema antioxidante débil. O estresse oxidativo resultante provoca desde efeitos danosos sobre a sua motilidade, até alterações estruturais sobre o DNA e a apoptose. A membrana pelúcida, o citoesqueleto e as organelas celulares (mitocôndria e retículo endoplásmico) do óvulo são igualmente afetadas pelo estresse oxidativo. Apesar de controverso, o uso personalizado de suplementos nutricionais associado a adoção de hábitos salutares, a alimentação, a atividade física, a abstinência de tabaco, o álcool, as drogas etc) podem ajudar os casais a realizarem o sonho de terem filhos.
6) Pergunta: Em uma visão ortomolecular qual é a relação entre câncer de mama, antioxidantes e fitoterápicos?
Resposta: A etiologia do câncer de mama ainda é obscura. O arcabouço genético, os polimorfismos, os hábitos de vida inadequados, a obesidade, o uso de hormônios sintéticos, a exposição a poluentes constituem as causas principais. É importante conhecer os SNIPs (single nucleotide polimorphisms) que condicionam a rota metabólica dos estrogênios. Várias publicações enfatizam o efeito dispositor da hidroxilação 16-OH e 4-OH da estrona como potencial oncogênico. Em contrapartida, a cliente que apresenta metabolização de androgênios pela rota 2- OH vive em estado de proteção oncogênica. A avaliação urinária desses metabólitos pode caracterizar o risco da mulher e permite fazer correções preventivas para evitar o câncer de mama. A medicina ortomolecular nos proporciciona várias ferramentas para corrigir esse equívoco metabólico passando pela correção de inadequações citadas anteriormente, a adoção de dieta com alimentos funcionais e a prescrição de nutracêuticos com o objetivo de atuar na detoxificação hepática, na circulação entero-hepática, na inflamação metabólica, no distresse e na eliminação de poluentes. A modulação hormonal, a prescrição individualizada de vitaminas, minerais, agentes de metilação (SAMe, metilcobalamina etc) e PUFA completam um elenco de intervenções contribuindo para criar um ambiente saudável no organismo feminino prevenindo-a do acometimento de neoplasia maligna.
7) Pergunta: Como é o uso de nutrientes durante a gravidez, no primeiro ao terceiro semestre?
Resposta: A mulher grávida vive um período de adaptação, segundo Cunningham. Existem modificações que envolvem o arcabouço vascular, o peso corporal, o sistema endócrino, o sistema imunológico etc. É impressionante como a mulher sofre transformações locais e sistêmicas neste período. Lamentavelmente, a maioria das mulheres engravidam sem planejamento, sem a preocupação de realizar a avaliação prévia do seu status endócrino-metabólico-nutricional. Um exemplo marcante é a sua exposição à má-formação fetal, em decorrência de falta de vitaminas do complexo B, notadamente o ácido fólico. Idealmente toda mulher deveria preparar-se para engravidar, mas, no entanto isso raramente acontece. Numa sociedade que apresenta 50% da população com sobrepeso ou obesidade, a chance de ocorrência da síndrome de resistência à insulina é expressiva aumentando o risco materno-fetal. Do ponto de vista nutricional a mulher grávida tem o estado catabólico no 1o trimestre, o anabólico no 2o trimestre e no último, ocorre o catabolismo materno com anabolismo fetal. O obstetra precisa estar atento para acompanhar o ganho ponderal da gestante ao longo dos trimestres correlacionando-o com a fisiologia e fisiopatologia do ciclo gravídico. Vários comemorativos explicam a perda de peso, a indisposição, a adinamia e a fadiga etc, no 1o trimestre da gestação: náuseas e vômitos, intolerância alimentar, estado catabólico, expansão plasmática, modificações hormonais etc. Nesse período deve-se ajustar as doses de minerais e polivitamínicos, visando atender às necessidades individuais. A prescrição de PUFA é importante, principalmente fontes de DHA e EPA para modular as prostaglandinas e contribuir para a higidez anatomofuncional do SNC. Desde a pré- concepção deve-se modular a microbiota intestinal com o uso de simbióticos. Muita atenção à reserva de ferro, que pode encontrar-se baixa em decorrência da expansão plasmática motivando a queda de eritrócitos e hemoglobina. A prescrição de ferro quelato, eventualmente associado ao ácido-fólico e ao cobre, pode-se fazer necessário. No 2o trimestre a mulher passa ao estado anabólico requerendo maior ingestão de proteínas e aminoácidos na dieta. Talvez seja o período mais tranquilo da gravidez. No entanto, no final desse período o tocoginecologista redobra a atenção para o risco de doença hipertensiva na gravidez, principalmente a pré-eclâmpsia, que é a complicação mais frequente na gravidez e a maior responsável por morbimortalidade materna e perinatal. Atualmente, alguns marcadores Beta HCG, PAPP-A e PLGF podem sinalizar para um risco iminente desta complicação acionando a intervenção precoce. A dieta hipocloretada e hiperproteic, a suplementação de cálcio e magnésio quelato, o resveratrol, a silimarina, o PUFA, a vitamina C, E e D são de extrema importância para a proteção vascular e hepática (fase 2 de detoxificação). O ácido acetilsalicílico tem sido utilizado para atuar sobre o tromboxano A, diminuindo o risco de trombose. Na transição do 2o/ 3o trimestre a curva insulínico-glicêmica pode desequilibrar com consequente possibilidade de aparecer diabete gestacional em graus variáveis. A dieta rigorosa, a atividade física personalizada faz-se necessário associada à metformina, ao crromo, ao vanádio, ao ácido alfa-lipóico etc. Vale lembrar que o pré-natal reveste-se de fundamental importância para orientação preventiva e intervenção precoce, com o intuito de garantir um porto seguro materno-fetal. A vida intrauterina é relevante demais para ser subestimada.
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